A assistência técnica do Banco Mundial para a saúde brasileira no período pós 2016

Autores

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v14.1250

Palavras-chave:

Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimentoúde, Saúde Pública, Qualidade, Acesso e Avaliação da Assistência à Saúde

Resumo

O fim da Segunda Guerra Mundial foi marcado por uma conjuntura na qual os Estados Unidos emergiram como país hegemônico enquanto os países europeus, com seus territórios devastados pelas guerras, demandavam recursos para sua reestruturação. Foi nessa conjuntura, a partir dos esforços empreendidos pelos países vencedores, que foi estabelecido um arcabouço institucional multilateral com o objetivo de assegurar a estabilidade social e econômico-financeira e garantir um comércio internacional sem fronteiras. As propostas e negociações em torno do desenho dessa nova ordem econômica mundial, visando reconstruir o capitalismo ocorreram entre 1941 e 1944 culminando nos acordos de Bretton Woods. Tais acordos determinaram a adoção de um sistema de taxas de câmbio atrelada ao ouro, em um sistema administrado pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD e pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. Em relação ao BIRD, criado inicialmente para fomentar a reconstrução dos territórios devastados pela Guerra e para promoção do desenvolvimento dos países capitalistas, ao longo da história esse organismo demonstrou uma alta capacidade de adaptação à dinâmica do capital e buscou expandir sua atuação para muito além daquelas que determinaram sua criação. Atualmente o Banco realiza fundamentalmente quatro tipos de atividade: empréstimos e créditos para projetos e políticas; aconselhamento e assistência técnica em favor de determinada agenda de políticas; pesquisa econômica especializada em todas as áreas do desenvolvimento; mobilização e articulação de agentes públicos e privados para iniciativas multilaterais globais. Ainda que os empréstimos e créditos para projetos constituam uma importante atividade desenvolvida pelo Banco, é reconhecido o empenho ao longo de sua história em se forjar como um “Banco do Conhecimento” que, através dos dados e pesquisas que mobiliza, apresenta uma agenda política e econômica sob uma aparente neutralidade utilizada para justificar e subsidiar as contrarreformas implementadas por diversos governos. Originada na década de 1940, as ações de assistência técnica e aconselhamento do Banco se sofisticaram e passaram a constituir a elaboração nacional mais importante para um determinado país. Os documentos que sistematizam a Estratégia de Parceria com o País – EPP estabelecem o nível indicativo e o tipo de assistência que o BM fornece aquele país. Em 2014, como parte das mudanças realizadas pela gestão do BM os EPPs passaram a ser usados em conjunto com um Diagnóstico Sistemático de País – DSP que é elaborado a cada nova EPP e tem como objetivo identificar os desafios e oportunidades mais importantes que um país enfrenta. De acordo com o Banco, o DSP é derivado de uma análise minuciosa e informado por consultas com uma série de partes interessadas. O primeiro DSP elaborado para o Brasil data de 2016. No âmbito desse artigo nos interessa discutir as orientações expressas nos documentos do Banco para a política de saúde brasileira no período pós 2016. Cabe ressaltar que esse marco temporal se deve pelo lançamento do DSP e documento posterior direcionado aos presidenciáveis, mas também porque entendemos que a partir do golpe que retirou da presidência Dilma teve início a implementação de um ajuste fiscal acelerado país. A análise dos EPPs elaborados pelo BM para o Brasil indicam que as propostas do Banco para a política social e, principalmente no caso brasileiro, para a saúde, têm se oposto a um modelo universal baseado na prestação gratuita pelas instâncias públicas para o conjunto da população. O argumento recorrentemente utilizado é de que o modelo é ineficiente e insustentável economicamente. Ademais, por vezes, através dos documentos, o Banco argumenta que o que ocorre é um falso universalismo, pois o sistema não asseguraria o acesso dos pobres e distribuiria os recursos de forma desigual. Intitulado “Retomando o Caminho para a Inclusão, o Crescimento e a Sustentabilidade” o DSP permanece na mesma direção e, ainda que o documento afirme que não objetivava indicar medidas a serem adotadas pelo país, as propostas de reformas são inscritas de forma contundente e é possível evidenciar a incorporação de suas indicações como propostas concretas pelo governo Temer e seu sucessor Bolsonaro. O DSP indica que a rigidez fiscal, principalmente com os gastos da seguridade social, seriam um grande problema para o país, entretanto o documento também reconhece que o Brasil gasta consideravelmente menos que países latino-americanos que possuem um PIB menor. Apesar das críticas à destinação de recursos obrigatória para a saúde pública, o Banco indicou que, enquanto o Brasil destinava 7,6% do orçamento público para essa área, a maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE destinava entre 15% e 20%, o que poderia indicar a existência de espaço fiscal para ampliar as alocações do setor.  Ainda assim, o governo Temer aprovou a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n. 55/2016 que limitou por 20 anos os gastos públicos primários e instituiu o mecanismo de controle de gastos federais condicionado à inflação acumulada. A PEC incidirá principalmente nas políticas de saúde e educação. Conforme sinalizamos o DSP tinha por objetivo indicar questões a serem aprofundadas em documentos subsequentes. Em 2018 o Banco elaborou as Notas de Políticas Públicas dirigidas à sociedade brasileira e especificamente aos candidatos à presidência e suas equipes econômicas. Um capítulo dessas notas é dedicado às reformas a serem implementadas na política de saúde. A reforma proposta pelo Banco não é uma novidade mas evidencia uma intensificação das  contrarreformas com propostas como a redução do número de hospitais de pequeno porte diante de uma suposta ineficiência; indicação de uma cooperação entre o público e o privado que além de desconsiderar a histórica disputa pelo fundo público, reforça o apoio às parcerias público privada e terceirizações cujos malefícios já estão amplamente difundidos; e a busca pela retomada de um modelo de financiamento baseado em produtividade principalmente na atenção primária que inclusive foi incorporada através do PREVINE Saúde em 2019. A análise dos documentos evidencia que o BM historicamente tem buscado o desmonte da política de saúde e que suas orientações têm sido rapidamente incorporadas pelos governos de caráter ultra neoliberal implementados após o golpe de 2016.

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Publicado

26-08-2022

Como Citar

1.
Ribeiro de Souza A. A assistência técnica do Banco Mundial para a saúde brasileira no período pós 2016. J Manag Prim Health Care [Internet]. 26º de agosto de 2022 [citado 21º de novembro de 2024];14(spec):e008. Disponível em: https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/1250

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