Implementação de modelos de compartilhamento de risco (risk sharing) no acesso ao tratamento de doenças raras no brasil e no mundo

uma revisão integrativa

Autores

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1336

Palavras-chave:

Participação no Risco Financeiro, Custos de Medicamento, Doenças Raras, Acesso aos Serviços de Saúde

Resumo

Segundo o critério estabelecido pela Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, doença rara é uma patologia que acomete até 65 para cada 100 mil indivíduos. No Brasil, acometem cerca de 13 milhões de pessoas e estima-se a existência de até oito mil doenças raras em todo o mundo. Uma vez que não se conhece a fundo sobre suas causas, e terapias eficazes ainda são limitadas, muitas vezes também são chamadas de doenças “órfãs”. Nas últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico vem trazendo a possibilidade de tratamento de muitas doenças raras, com o desenvolvimento e aprovação de novos medicamentos. Estes, muitas vezes, são únicos para o tratamento de determinada patologia, considerados como drogas órfãs, e apresentam-se com valores exorbitantes no mercado. Além dos custos envolvidos, a adoção de uma nova tecnologia pode trazer diversas incertezas, principalmente quando a evidência na literatura é escassa, como no caso das doenças raras. Em um processo padrão de Avaliação de Tecnologia em Saúde – ATS, que utilizam evidências clínicas disponíveis somadas a uma análise econômica, os medicamentos órfãos geralmente não se mostram custo-efetivos e apresentam um impacto orçamentário significativo para os sistemas de saúde. O compartilhamento de risco, ou risk sharing, é uma das medidas mais comumente utilizadas para a entrada gerenciada ou condicional de um medicamento, visando dividir o financiamento do tratamento entre fabricante e sistema de saúde. Segundo o Health Technology Assessement International – HTAi, o compartilhamento de risco é definido como “um acordo entre o produtor/fabricante e o pagador/prestador que permite o acesso a uma tecnologia em saúde mediante determinadas condições. Estes acordos poderão usar uma variedade de mecanismos para endereçar a incerteza sobre a performance de tecnologias ou para gerir a adoção de tecnologias de forma a maximizar o seu uso efetivo ou a limitar o seu impacto orçamental”. Este estudo visa identificar as barreiras de acesso ao tratamento para as doenças raras e mapear os tipos de modelos de compartilhamento de risco existentes, podendo, assim, discutir sobre os aprendizados e a importância desses modelos na expansão do acesso ao tratamento de doenças raras no Brasil e no mundo. A metodologia utilizada foi a de revisão sistematizada integrativa da literatura em que foram escolhidos descritores e definidas as estratégias de busca para responder à pergunta de pesquisa: “O que a literatura científica apresenta sobre a implementação de modelos de compartilhamento de risco (risk sharing) no acesso ao tratamento de doenças raras no Brasil e no mundo?”. Para a revisão da literatura, foram escolhidas quatro bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde – BVS; Embase; Pubmed; e Scopus. Com base na pergunta de pesquisa e no objetivo do estudo, foram identificados polos orientadores e selecionados descritores, através da plataforma Descritores em Ciência da Saúde, como palavras-chave para a busca sistematizada na literatura. Os polos foram definidos em: 1) Fenômeno: Modelos de compartilhamento de risco; 2) População: Doenças Raras; 3) Contexto: Acesso ao tratamento. A escolha por utilizar quatro bases de dados e os descritores de forma abrangente e não restrita deu-se pela complexidade do tema e a fim de garantir a amplitude necessária. Foram incluídos artigos completos que agregavam à pergunta de pesquisa em português, inglês ou espanhol. Foram excluídos ensaios pré-clínicos ou clínicos, estudos de preferências de pacientes ou análise multicritério e outras categorias de documentos. Foram encontradas 1.314 publicações através das buscas nas quatro bases, sendo excluídas 149 duplicatas. Após a leitura dos títulos, resumos e artigos completos, das 1.165 publicações restantes, considerando os critérios de inclusão e exclusão, 14 artigos foram incluídos e sintetizados. Em análise preliminar, pode-se notar que é um tema ainda recente e em constante discussão. O artigo mais antigo é do ano de 2013 e o mais recente de 2023. Os estudos abordaram a perspectiva de diversos países, englobando Europa, Américas, Ásia e Oceania, com perspectiva dos sistemas de saúde público e privado. A maioria dos artigos abordaram as doenças raras e medicamentos órfãos de forma ampla e generalizada, apenas um sendo descrito a nível de medicamento, o nursinersena para Atrofia Muscular Espinhal. Os autores, em consonância entre si, destacam as principais barreiras de acesso que levaram à implementação dos modelos de compartilhamento de risco, sendo: o alto custo de tratamento, gerando um alto impacto orçamentário para o sistema de saúde; e a incerteza em relação às evidências clínicas. Entre os modelos de compartilhamento de risco, a maior parte dos estudos trazem modelos tanto com base financeira, quanto baseados nos desfechos dos medicamentos. De forma geral, os autores entendem que a implementação destes modelos amplia o acesso a tecnologias que provavelmente não seriam disponibilizadas aos pacientes. O uso de modelos que visam a entrada gerenciada aumentou significativamente as chances de uma decisão positiva de reembolso. Apesar de ainda ser um tema recente, os autores demonstram aprendizados importantes sobre os desafios desta implementação, principalmente no que tange à falta de transparência na tomada de decisões, uma vez que normalmente são realizadas sob acordos de confidencialidade. A falta de publicidade dos dados limita a criação de benchmarks ou troca de boas práticas entre os países. Além disso, muitas vezes as estratégias são aplicadas de forma heterogênea, mesmo que para um mesmo medicamento, o que pode resultar em falta de equidade no acesso aos medicamentos órfãos entre os países e dentro deles. Por fim, conclui-se que a implementação de modelos de compartilhamento de risco é uma forma de minimizar as barreiras de impacto financeiro e de incertezas em relação à efetividade do medicamento, podendo, assim, expandir o acesso aos tratamentos para as doenças raras no Brasil e no mundo. Pela importância e complexidade do tema, a transparência e troca de experiências entre os países são fundamentais para a criação de políticas e diretrizes que tornem o processo mais conforme e efetivo na expansão do acesso.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Portaria GM nº 199, de 30 de janeiro de 2014 [Internet]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html

Bouvy J, Vogler S: Update on 2004 background paper, pricing and reimbursement policies: impacts on innovation: BP 8.3. Geneva: World Health Organisation (WHO); 2013. Ref Type: Report.

Radar dos Raros. O atual cenário das doenças raras no Congresso Nacional 2022 [Internet]. Disponível em: https://muitossomosraros.com.br/wp-content/uploads/2022/03/radar-dos-raros-o-atual-cenario-das-doencas-raras-no-congresso-nacional.pdf

Remuzzi G, Garattini S. Rare diseases: what’s next? Lancet 2008; 371(9629):1978-1979. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(08)60847-8

Ministério da Saúde. No Dia Mundial das Doenças Raras, Ministério da Saúde reforça importância do diagnóstico precoce [Internet]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/fevereiro/no-dia-mundial-das-doencas-raras-ministerio-da-saude-reforca-importancia-do-diagnostico-precoce.

Trajman A. Doenças raras: quem paga qual conta? Cadernos de Saúde Pública. 2019;35(9). DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311x00145719

Drummond MF, Wilson DA, Kanavos P, Ubel P, Rovira J. Assessing the economic challenges posed by orphan drugs. International Journal of Technology Assessment in Health Care. 2007 Jan;23(1):36–42. DOI: https://doi.org/10.1017/S0266462307051550

Garrison LP, Towse A, Briggs A, de Pouvourville G, Grueger J, Mohr PE, et al. Performance-based risk-sharing arrangements-good practices for design, implementation, and evaluation: report of the ISPOR good practices for performance-based risk-sharing arrangements task force. Value Health J Int Soc Pharmacoeconomics Outcomes Res. agosto de 2013;16(5):703–19. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jval.2013.04.011

Morel T, Arickx F, Befrits G, Siviero P, van der Meijden C, Xoxi E, et al. Reconciling uncertainty of costs and outcomes with the need for access to orphan medicinal products: a comparative study of managed entry agreements across seven European countries. Orphanet Journal of Rare Diseases. 2013;8(1):198. DOI: https://doi.org/10.1186/1750-1172-8-198

Gibson SG, Lemmens T. Niche Markets and Evidence Assessment in Transition: A Critical Review of Proposed Drug Reforms. Medical Law Review. 2014 Jun;22(2):200–20. DOI: https://doi.org/10.1093/medlaw/fwu005

Gammie T, Lu CY, Babar ZUD. Access to Orphan Drugs: A Comprehensive Review of Legislations, Regulations and Policies in 35 Countries. Garattini S, editor. PLOS ONE. 2015 Oct 9;10(10):e0140002. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0140002

Degtiar I. A review of international coverage and pricing strategies for personalized medicine and orphan drugs. Health Policy. 2017 Dec 10;121(12):1240–8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2017.09.005

Bae EY. Role of Health Technology Assessment in Drug Policies: Korea. Value in Health Regional Issues. 2019 May;18:24–9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.vhri.2018.03.009

Van Wilder P, Pirson M, Dupont A. Impact of health technology assessment and managed entry schemes on reimbursement decisions of centrally authorised medicinal products in Belgium. European Journal of Clinical Pharmacology. 2019 Mar 15;75(7):895–900 DOI: https://doi.org/10.1007/s00228-019-02665-6

Atikeler EK, Leufkens HGM (Bert), Goettsch W. Access to medicines in Turkey: Evaluation of the process of medicines brought from abroad. International Journal of Technology Assessment in Health Care. 2020 Nov 24;36(6):585–91 DOI: https://doi.org/10.1017/S0266462320000872

Biglia LV, Mendes SJ, Lima T de M, Aguiar PM. Incorporações de medicamentos para doenças raras no Brasil: é possível acesso integral a estes pacientes? Ciência & Saúde Coletiva. 2021 Nov;26(11):5547–60 DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.26722020

Blonda A, Barcina Lacosta T, Toumi M, Simoens S. Assessing the Value of Nusinersen for Spinal Muscular Atrophy: A Comparative Analysis of Reimbursement Submission and Appraisal in European Countries. Frontiers in Pharmacology. 2022 Jan 21;12 DOI: https://doi.org/10.3389/fphar.2021.750742

Blonda A, Denier Y, Huys I, Kawalec P, Simoens S. How Can We Optimize the Value Assessment and Appraisal of Orphan Drugs for Reimbursement Purposes? A Qualitative Interview Study Across European Countries. Frontiers in Pharmacology. 2022 Jul 19;13. DOI: https://doi.org/10.3389/fphar.2022.902150

Guarga L, Gasol M, Reyes A, Roig M, Alonso E, Clopés A, et al. Implementing Risk-Sharing Arrangements for Innovative Medicines: The Experience in Catalonia (Spain). Value in Health. 2022 May;25(5):803–9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jval.2021.10.010

Shengnan D, Zixuan L, Na Z, Weikai Z, Yuanyuan Y, Jiasu L, et al. Using 5 consecutive years of NICE guidance to describe the characteristics and influencing factors on the economic evaluation of orphan oncology drugs. Frontiers in Public Health. 2022 Sep 14;10. DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2022.964040

Simoens S, Abdallah K, Barbier L, Lacosta TB, Blonda A, Car E, et al. How to balance valuable innovation with affordable access to medicines in Belgium? Frontiers in Pharmacology. 2022 Sep 16;13. DOI: https://doi.org/10.3389/fphar.2022.960701

Iglesias-López C, Agustí A, Vallano A, Obach M. Financing and Reimbursement of Approved Advanced Therapies in Several European Countries. Value in Health. 2023 Jan DOI: https://doi.org/10.1016/j.jval.2022.12.014

Downloads

Publicado

31-08-2023

Como Citar

1.
Renelo Puopolo G, Vilela Bulgareli J. Implementação de modelos de compartilhamento de risco (risk sharing) no acesso ao tratamento de doenças raras no brasil e no mundo: uma revisão integrativa. J Manag Prim Health Care [Internet]. 31º de agosto de 2023 [citado 15º de outubro de 2024];15(spec):e002. Disponível em: https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/1336

Artigos Semelhantes

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 > >> 

Você também pode iniciar uma pesquisa avançada por similaridade para este artigo.