Sociobiodiversidade e alimentação escolar indígena

desafios do sistema alimentar no contexto do território Munduruku no Planalto Santareno – Pará, Região Amazônica

Autores

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v16.1398

Palavras-chave:

Alimentação Escolar, Cultura Indígena, Segurança Alimentar e Nutricional, Desenvolvimento Humano

Resumo

O ato de comer se realiza em meio a outras práticas que compõem o espaço escolar, configurando-se em experiências e processos que influenciam na construção de hábitos alimentares e de identidades de crianças e adolescentes no ensino-aprendizagem. Parte-se do entendimento de que as práticas alimentares participam dos processos identitários, assumindo uma posição central no aprendizado e na formação social, por sua natureza vital, rotineira, geradora de sociabilidades e possibilidades de escolhas. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é extremamente importante, principalmente para as escolas da Região Amazônica, considerando a sociobiodiversidade que é fonte de vida e renda para as comunidades locais. Neste sentido, os aspectos culturais, sociais e ambientais do programa possibilitam desfechos na sustentabilidade ambiental e socioeconômica nos territórios. Possibilitando assim, a orientação e construção de novos cenários no campo da alimentação escolar, com prioridade para a aquisição e oferta de alimentos in natura, como frutas, legumes e verduras, que podem ser oferecidos em preparações regionais; além de alimentos orgânicos e/ou de produção agroecológica, sobretudo de agricultores locais, com resultados que podem ir além do espaço educacional, e avançar para a promoção de modos de produção mais sustentáveis. - Analisar a gestão, distribuição e consumo de alimentos ultraprocessados na alimentação escolar de crianças do ensino fundamental e médio de uma comunidade indígena do Planalto Santareno, Pará, Região da Amazônia brasileira. O presente estudo foi desenvolvido a partir do método qualitativo de investigação, em três etapas: Etapa 1 – busca bibliográfica exploratória sobre as temáticas: alimentação escolar, segurança alimentar e nutricional, direito humano alimentação adequada, cultura alimentar, povos indígenas na base de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e no buscador Google Acadêmico (Google Scholar). Etapa 2 - escolha do local de imersão para conhecer a alimentação escolar indígena. Etapa 3 - pesquisa de campo exploratória com o levantamento de informações relevantes através de conversas com 03 informantes-chave da comunidade escolar indígena e da gestão municipal. No âmbito da gestão municipal (nutricionista), do espaço da gestão escolar (diretor) e do espaço da cozinha, aonde chegam os alimentos e é prepara a alimentação escolar (cozinheira). A terra indígena Munduruku e Apiaka é formada por cinco aldeias indígenas: Amparador, São Francisco da Cavada, São Pedro, Ipaupixuna e Açaizal, localizadas no Planalto Santareno, no Pará. A área compartilhada é composta por roçadas, as sedes das aldeias, o lago do Maicá e os igarapés. O território indígena Munduruku do Planalto Santareno, têm ao todo cinco escolas indígenas, sendo a Escola Indígena Wapurãn Tip, na Aldeia Açaizal, pólo central, abarcando 29 alunos do pré-escolar ao 9° ano do ensino fundamental e 10 alunos do ensino modular indígena, totalizando 39 alunos. Esse território está violentamente exposto à exploração do agronegócio, principalmente com o avanço sojícola (produção de soja), com impactos de envenenamento da terra e das águas, invasão e destruição das florestas e igarapés, transformando de forma drástica a vida dos indígenas da aldeia. A alimentação saudável e adequada no PNAE busca orientar para o uso de alimentos variados seguros que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, conforme sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específicas. Do ponto de vista do nutricionista da Secretaria Municipal de Educação de Santarém/Pará (SEMED): durante a criação dos cardápios, é feito a junção de respeito ao ambiente cultural e oferta de alimentos saudáveis, abrangendo a parte nutricional e sociocultural. Identificou como desafios à alimentação escolar indígena: o financiamento oriundo do PNAE com valores aquém do desejado. Relatou que a sobrecarga de atendimentos em várias escolas impossibilita visitas a escolas indígenas. Do ponto de vista do Diretor da Escola: ele considera que a alimentação escolar se torna fundamental na vida dos estudantes indígenas. Afirma que a qualidade nutricional e identidade alimentar podem influenciar diretamente no processo de ensino aprendizagem das crianças. Salienta que todos os produtos entregues na escola são industrializados, incluindo as proteínas. Do ponto de vista da Cozinheira Escolar (merendeira): ela descreve que os alimentos encaminhados pela SEMED até a Escola Indígena Wapurãn Tip na Aldeia Açaizal, chegam em boa qualidade. Na escola não há utilização de alimentos cultivados pelos moradores da própria aldeia e em várias épocas do ano, há ausência de alimentos prescritos nos cardápios enviado pela SEMED. O preparo da alimentação escolar é feito manualmente pelas merendeiras que recebem um curso de preparação, manuseio e higienização dos alimentos pela SEMED. A alimentação escolar é uma estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que tem ação direta na agricultura, e na saúde e educação de crianças e adolescentes. As escolas indígenas da Amazônia brasileira, mesmo inseridas na sociobiodiversidade alimentar presente na região, seguem pouco assistidas ou não assistidas com os alimentos e as preparações culinárias próprias da sua identidade e cultura alimentar. Entre os agricultores da aldeia indígena, existe a viabilidade produtiva e o desejo dos mesmo em poder ofertar alimentos saudáveis e da sociobiodiversidade local para as escolas, possibilitando um incremento de renda e o fortalecimento da autonomia econômica dos indígenas da Aldeia Açaizal através do PNAE. Os alimentos ofertados nas escolas apresentam pouca diversidade. Os cardápios são poucos ou quase nada voltados à cultura indígena, prevalecendo o consumo de alimentos industrializados ou ultraprocessados. A escola, portanto, passa a ser um lócus privilegiado para analisar as mudanças em curso na dieta alimentar, principalmente as transformações na alimentação e cultura alimentar indígena. O ato de comer os alimentos da sociobiodiversidade amazônica e ter a inserção permanente desses alimentos na alimentação escolar possibilita o compartilhamento de sabores e saberes, o resgate dos cultivos, receitas e hábitos alimentares centrados na cultura alimentar local e nos recursos alimentícios disponíveis na região. Conclui-se que uma das melhorias para alimentação escolar indígena seria a criação de cardápios condizentes com a forma e o modo de viver dos indígenas do território e que os cardápios sejam planejados e elaborados junto com os indígenas da Aldeia Açaizal.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Lúcia Dias da Silva Guerra, Universidade de São Paulo – USP, Observatório de Economia Política da Saúde, Faculdade de Saúde Pública

Nutricionista e Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Mato Grosso. 

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação de Nutrição em Saúde Pública, atualmente estuda Direito Humano à Alimentação Adequada na Atenção Primária no município de São Paulo. Tem experiência com estudo na área de Saúde Coletiva com ênfase em Segurança alimentar e nutricional (SAN), e ações educativas em nutrição.

Downloads

Publicado

30-05-2025

Como Citar

1.
Guerra LD da S, Azerêdo RF, Castro FC da S, Campos JDS. Sociobiodiversidade e alimentação escolar indígena: desafios do sistema alimentar no contexto do território Munduruku no Planalto Santareno – Pará, Região Amazônica. J Manag Prim Health Care [Internet]. 30º de maio de 2025 [citado 3º de junho de 2025];16(Esp):e006. Disponível em: https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/1398