Impacto orçamentário da incorporação de tecnologias de alto custo para condições prevalentes

um estudo de caso

Autores

  • Daniela Pachito Hospital Sírio-Libanês
  • Angela Maria Bagattini
  • Rachel Riera

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v12.1094

Palavras-chave:

Análise de Impacto Orçamentário, Avaliação em Saúde, Economia da Saúde

Resumo

A alocação de recursos em saúde é contingenciada pela desproporção entre as numerosas demandas da população e a relativa insuficiência de recursos para atendê-las. Esta desproporção faz com que processos decisórios sobre incorporação ou desinvestimento de tecnologias tenham que ser conduzidos, visando a garantir a eficiência dos sistemas de saúde. A velocidade em que as tecnologias em saúde são desenvolvidas e disponibilizadas no mercado, aliada ao alto custo das tecnologias emergentes, torna o processo decisório essencial para a garantia da viabilidade financeira dos sistemas de saúde, públicos ou privados, ao longo do tempo. O objetivo do presente estudo é discutir, com base em um caso específico, a magnitude do impacto orçamentário relacionado à incorporação de tecnologias de alto custo para o tratamento de condições de saúde com alta prevalência e potenciais consequências. O caso relatado foi selecionado a partir das propostas de incorporação da próxima atualização do rol de cobertura da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por seu expressivo impacto epidemiológico e orçamentário. O cenário em análise envolveu a avaliação do impacto orçamentário da incorporação da toxina onabotulínica A como tratamento profilático da migrânea crônica, em relação ao cenário alternativo, no qual não existe oferta de tratamento para esta situação clínica pelas operadoras de saúde. A migrânea (ou enxaqueca) é um distúrbio neurológico caracterizado por episódios recorrentes de cefaleia de intensidade moderada a grave, localização unilateral, caráter pulsátil e agravada por esforço físico. O quadro crônico de migrânea é definido pela presença de cefaleia em 15 dias ou mais dias ao mês, por pelo menos três meses, levando ao comprometimento de qualidade de vida e a impacto econômico relevante para sistemas de saúde e sociedade. A análise de impacto orçamentário foi desenvolvida para a perspectiva da saúde suplementar, levando em consideração os aspectos epidemiológicos a partir de revisão de dados de literatura. A prevalência de migrânea crônica aplicada na análise foi de 1,8% da população total a proporção de pacientes em uso de tratamento de tratamento profilático foi de 33,3%. Custos diretos envolveram a toxina onabotulínica A (Botox® 200 UI), valorada a R$ 3608,99/ unidade (PF, ICMS 18%), e o procedimento de aplicação, valorado a R$ 721,90 /aplicação (CBHPM 2.01.03.14-0, Porte 4A, Custo operacional 1,950). O número de unidades anuais por caso foi de 4,89 (estudo PREEMPT). Custos associados envolveram a proporção de pacientes com migrânea crônica com visita ao pronto-socorro (9,6% no grupo toxina onabotulínica A e 20,2% no grupo comparador, Rothrock 2014) e proporção de pacientes com hospitalização (7,4% no grupo toxina onabotulínica A e 15,7% no grupo comparador, Rothrock 2014). Os custos da internação e de visita ao pronto socorro foram obtidos a partir de estudo da literatura. Por fim, assumiu-se a premissa de market share inicial de 5%, com incrementos de 5% ao ano, atingindo 25% ao final do horizonte temporal da análise de cinco anos. Foi realizada análise de sensibilidade determinística multivariada, do tipo pior cenário e melhor cenário, com variação simultânea dos parâmetros de custo da toxina onabotulínica A e da aplicação (+/- 15%), assim como variação do número de aplicações (4 a 5 unidades). Todas as análises foram realizadas no software Microsoft Excel®. Os resultados das análises foram apresentados, considerando-se o impacto orçamentário incremental, definido pelo impacto da incorporação da toxina onabotulínica em relação ao cenário atual. O impacto orçamentário incremental para o ano de 2021 foi de R$ 232.086.504,69; para o ano de 2022 de R$ 469.356.673,15; para 2023 de R$ 711.564.324,51; para 2024 de R$ 958.374.943,11 e para 2025 de R$ 1.209.289.462,12. O total acumulado em cinco anos foi de R$ 3.580.671.907,58.  As estimativas para o melhor cenário, com redução dos custos de aplicação e da toxina em 15% e utilização de quatro aplicações anuais evidenciaram impacto orçamentário incremental para o ano de 2021 de R$ 159.777.475,73, e para o acumulado de cinco anos foi de R$ 2.465.075.337,17. As estimativas para o pior cenário, com elevação dos custos da toxina e da aplicação em 15% e utilização de cinco aplicações anuais, evidenciaram impacto orçamentário incremental para o ano de 2021 de R$ 273.821.917,38 e para o acumulado de cinco anos de R$ 4.224.573.283,79. A análise do presente caso evidencia a magnitude do impacto orçamentário relacionado à incorporação de tecnologias de alto custo em sistemas de saúde, comumente já desafiados em relação à necessidade de manutenção de seu equilíbrio financeiro, em virtude da diversidade de demandas a serem atendidas e do alto custo das tecnologias em saúde. O impacto orçamentário incremental estimado é de tal magnitude que, caso haja incorporação da tecnologia, alguns efeitos seriam esperados. Em primeiro lugar, outras tecnologias em avaliação para incorporação pelo rol poderiam ser preteridas, pela ausência de margem para acomodar incrementos orçamentários adicionais, refletindo o custo de oportunidade. Em segundo lugar, esperar-se-ia um maior risco operacional para a manutenção de pequenas operadoras, o que, em última instância poderia se refletir na redução da oferta de planos de saúde, prejudicando o equilíbrio do mercado. Poderia ainda ser esperado o repasse para o consumidor final, aumentando os custos da contratação dos planos de saúde, acarretando a migração de indivíduos para o sistema de saúde público. Uma implicação adicional da incorporação de tecnologias no rol da saúde suplementar é a pressão de stakeholders para que também ocorra a incorporação da tecnologia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O alinhamento entre a cobertura de tecnologias pelo rol da ANS e a incorporação de tecnologias pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde no SUS (Conitec) tem sido observado pela coerência entre as Diretrizes de Utilização para Cobertura de Procedimentos na Saúde Suplementar da ANS (DUT) e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticos (PCDT) do SUS. Esta consistência visa promover equidade em relação ao acesso aos serviços e recursos de saúde, porém, o alinhamento dos sistemas de saúde público e suplementar pode incorrer em desequilíbrios orçamentários graves, frente às peculiaridades de cada sistema.

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Referências

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Publicado

16-03-2021

Como Citar

1.
Pachito D, Bagattini AM, Riera R. Impacto orçamentário da incorporação de tecnologias de alto custo para condições prevalentes: um estudo de caso. J Manag Prim Health Care [Internet]. 16º de março de 2021 [citado 28º de março de 2024];12(spec):1-2. Disponível em: https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/1094